MUENHU KITUAJIMA
A IMORTALIDADE NA VISÃO BANTU
A cultura bantu patenteia a sede de infinito de todos os homens, o desejo inato de imortalidade. O projeto de vida sem fim, é para o negro-africano a finalidad
e das finalidades. A sua visão do mundo depende dessa finalidade, as suas instituições sociais e religiosas fomentam a aparição, o desenvolvimento e a conservação da mesma, já que nela baseia-se o seu sistema de valores. No homem negro palpita um desejo de viver que realiza uma palavra, a palavra da vida. O makulu (antepassado), tal como os vivos, não
está coletivizado. Cada indivíduo conserva a sua personalidade distinta e influente. Ficam na recordação como indivíduos ativos.
Todavia, falam de morte quando o defunto não deixou descendente. Ninguém se recordará dele porque não há laço vital com nenhum vivo. Não revive pela procriação, finalidade primária da existência. O antepassado possuirá tanto maior vigor, quantos mais descendentes deixou.
Como a morte põe termo ao desejo inato de viver do existente-vivente, o homem bantu desaparece como indivíduo, mas o seu existir-de-vivente continua na sua descendência. Descobre no vivente uma última finalidade: perpetuar-se por geração. Por isso o maior mal do homem é morrer sem descendência. Fica privado do seu fim último, o de existir como vivente nos seus descendentes. O Bantu vive em relação interativa com os antepassados. Este
s os preocupam porque a sua atividade é grande. São os antepassados personalizados, pais, avós, tios, cujos nomes recordam. Invocam-nos pelos seus próprios nomes como "mortos-viventes".
O mesmo acontece com os heróis, os epônimos e os antepassados familiares, clânicos e tribais de prestígio social especial. É que existe uma hierarquia entre os antepassados derivada da sua potência vital e da sua proximidade em relação à fonte da vida. Ocupam o primeiro lugar os heróis (de origem humana) como: Mutakalombo, Nkosi-ua-Ita, Ndundu, Uambulu Nsema anoúlu, etc., e os culturais místicos (lendários) como: Katende, Mpanzu, Nvunji e Hongolo, que entraram numa esfera superior com poder vela e poderosíssimo investido por Nzambi (Deus), para iniciar e consolidar a vida e as peculiaridades de um povo.
Um dos mais respeitados é o Aba Mutakalombo (rei da Caça), venerado em muitos grupos da África-Bantu, embora seja da tradição Kimbundu. Filho herdeiro de Unhanga Ngenga e caçador apaixonado, saiu um dia à caça contra a opinião de Samba, sua mãe, que tinha presságios funestos. De fato, morreu lutando com um búfalo. Antes, tinha encarregado Kabila, s
eu auxiliar, de comunicar a sua mãe que ia para a floresta reinar sobre os caçadores mortos como tinha reinado sobre os vivos. Transformou-se num herói a quem rendem intenso culto.
Na África consideram-no criatura de Nzambi, elevado à posição de intermediário superior, um antepassado colocado no lugar mais excelso e com poder superior a todas as outras divindades da caça. Os sacerdotes dos ritos da caça intentam, por uma íntima comunhão com hamba Mutakalombo, entrar “numa família divina, numa esfera superior da existência”. Pode-se se assegurar que é um semideus, junto com Kualunga, Kitembu e Ndundu.
Os patriarcas epônimos dos grupos receberam a força diretamente de Nzambi, vieram da Senzala Kasembe dia Nzambi para perpetuar a sua vida. São o elo mais certeiro de união dos homens com Nzambi. Não se pode considerar simples antepassados, superam esta condição e passam a seres espirituais. Formam uma hierarquia exclusiva e digníssima, visto que participam, de certo modo, da Força Divina. Por isso e por encargo de Nzambi, têm poderosa influência. São os primeiros incentivadores da vida, depois de Nzambi e, para todos os clãs, são como a image
m e personificação de Deus.
A vida dimanou deles, doaram o território, neles se identificam os grupos, inauguraram as leis e costumes, fixaram as crenças fundamentais e continuam ativos e presentes.
É tão estreita a sua conexão com os vivos que o culto que lhes rendem parece obscurecer, por vezes, a supremacia de Nzambi, princípio cultural de que só há mutação vital quantitativa. Reduzem esta vida a um estado de felicidade natural, harmonioso.
As relações entre antepassados e mundo invisível, sobretudo a sua comunidade de sangue, fundamentam uma das crenças bantu mais firmes, um culto incessante.
Esta comunidade invisível rege em grande parte, vigia e penetra todas as instituições e comportamentos. A vida comunitária e individual insere-se numa realidade invisível e escondida, mas não indecifrável, nem fatal.
A vida de cada dia, mais ainda, de cada momento, não tem nenhum significado separada da presença e do poder dos antepassados.
Ainda que sejam onipresentes na vida, não são onipotentes. Não determinam completamente a vida diária, visto que os sacerdotes têm a sua parcela de ação. Prestigiam a gerontocracia (grupo dominante constituído por velhos) porque se encontra muito próxima deles.
Os antepassados são os verdadeiros chefes, guardiões dos costumes; velam pela conduta dos seus descendentes a quem recompensa
m ou castigam segundo observam ou não os ritos e costumes. A fidelidade às tradições, o respeito pelos anciões e pelos mortos, o cumprimento das cerimônias, estão permanentemente sob seu controle.
A sabedoria bantu sedimenta em milênios, encontrou na interação a firmeza da ética, a garantia da sua conservação e a força coerciva. Os antepassados desempenham um papel estabilizador social básico.
A presença dos antepassados na Religião Tradicional e na vida cotidiana dos vivos, longe de ser um simples objeto ou sistema de conhecimento teórico, é uma realidade viva que encanta e absorve a atenção de quem a conhece.
O Ngombo (sistema divinatório) é a forma mais precisa de comunicação. Basta sonhar para que a consulta ao kabuma (adivinhador) se torne necessária e, dependendo da resposta do Ngombo, ritos propiciatórios serão realizados.
Enfim, as mansões dos mortos são lugares prestigiosos. Só os pode perturbar o esquecimento da sua comunidade.